[RP] Something New

Ele estava meio tonto. Embora Fallen estivesse pronto quando o jogo começou, a sensação de tontura foi inevitável, provavelmente fruto da fase de testes aos quais os iniciantes estavam submetidos; pelo menos, já tinha uma coisa a apontar. O estado de coma, aos poucos, estabilizou-se.

Amanhecia no horizonte. Quando pôde enfim olhar ao redor, Fallen notou que seu corpo se mexia de um jeito pouco usual. Também, pelo que observou, usava roupas incomuns para si - devia ter crescido uns quinze centímetros no mínimo. Sua perspectiva de espaço não era a mesma do mundo real, mas rapidamente adaptou-se ao avatar. Anarky. Em segredo, guardava para si as razões daquele nome. De qualquer forma, o jogo era pra ser testado; pensar nos problemas do lado de fora não estava em seus planos.

Saindo do zepelim - o navio voador sustentado por um balão em forma de charuto -, vislumbrou pela primeira vez o que deveria ser a cidade central do primeiro andar. Em letras amarelas, o nome da localidade apareceu na frente de seus olhos.


Até então, nenhum NPC era avistado, nem mesmo um tripulante do zepelim. Ele não sabia muito bem por onde começar, já que não havia um manual de instruções ou coisa do gênero, mas a exploração deveria ser iniciada - para isso, no entanto, checou a própria arma, Coração de Atlantis, testando lançar raios de energia azul através de seus dedos, que explodiram o chão e fizeram-no pular para trás.

Bem, pelo menos os danos estavam bem realísticos.

— thanks, ♛ and gabs!

Um clarão invadiu seus olhos e poderia jurar que nem em um bilhão de anos conseguiria descrever a sensação que experimentava em dado momento. Funcionou? As mãos formigavam de um modo atípico, como se há muito não houvessem sido movidas, algo que de fato não deixava de ser verdade. Sua visão já não era uma visão comum, uma vez se assemelhando a uma tela de central de comando. No olho esquerdo conseguia ver nitidamente um painel com o que deveriam ser seus próprios status, enquanto no direito uma espécie de mira da coloração avermelhada cuidava de analisar e catalogar quase que instantaneamente todas as coisas próximas de seu campo de visão. Me acostumar com isso é o que eu quero saber.

Seu corpo esguio estava bem diferente do que imaginava que seria, e não via isso apenas por estar presa num avatar masculino – já que, pessoalmente, sempre achou que avatares femininos possuíam curvas demais e funcionalidade de menos. Os olhos ainda continuavam tão azuis com os de costume, mas o porte era bem mais atlético do que esperava, não que seja tão ruim assim. No lugar de onde deveria ser sua mão esquerda, uma espécie de luva/canhão estava muito bem acoplada, e certamente bastante pesada, diga-se de passagem.

Ao projetar o corpo para frente, um pouco além daquele sabe-se-lá-o-que em que fora transportada, ou melhor, transportado, o cyborg não custou a perceber que o então deserto mapa agora se tornava cada vez mais rico em detalhes, não lhe dando qualquer outra alternativa que não fosse, literalmente, pular dali.

Se antes já achava que o mapa era grande demais para usuários de menos, Flay agora já tinha certeza. Seu olhar biônico procurava por qualquer sinal de vida artificial por ali, contudo nada pode encontrar além de estabelecimentos que provavelmente seriam postos de troca e talvez craft quando toda aquela fase de testes finalmente acabassem. Muito bom esse mapa, gráficos 10/10. Agora melhor ainda seria se alguém me desse a porra de uma saída.

Se tinha uma coisa que definitivamente lhe deixava extremamente irritado era o fato de seus movimentos serem um tanto limitados, talvez por algum bug ou alguma ferramenta que deveria ser acrescentada numa outra atualização do patch. O único problema era ser chato pra caralho mesmo.

Caminhou até um pouco mais ao leste da cidade fantasma, não demorando muito para notar a presença de mais algum usuário por ali. Seus movimentos pararam abruptamente e logo a postura incomum voltou a dar sinal de existência. Ué? Provavelmente não seria algo muito inteligente se aproximar de alguém que despejava habilidades contra o chão como se fosse a melhor coisa a se fazer, porém como se tratava de Flay todos já deveriam entender que o impulso ganhava de lavada no bom senso. — Hey, algum problema com os controles? – Arriscou, esperando qualquer resposta não hostil daquele ser que parecia mais um macaco pulando sem rumo pelo território.

A voz vinda de longe fizera Fallen querer que seu avatar girasse a cabeça para o desconhecido, e Anarky fizera-o com maestria. Conforme passava mais tempo dentro de seu novo traje, mais acostumado com os próprios mecanismos ficava, o que tornava toda a situação mais fácil. E, aliás, aquela era uma ótima forma de viciar os usuários.

Erguendo-se, pensou sobre o que ele queria dizer dos controles, quando lembrou do motivo que o levara ao chão. Meio sem graça, arregalou as sobrancelhas - ainda que a surpresa provavelmente estivesse escondida pela máscara - e negou com a cabeça.

— Não, não — respondeu, assustando-se como sua voz saíra grossa e rouca, meio abafada. É claro que, para o personagem que imaginara, aquela era a voz perfeita, mas nunca pensaria que o jogo estava lendo tão bem seus pensamentos. Abaixando a cabeça, abriu e fechou as mãos após a descarga de energia atlante; foi interessante ver a sua barrinha de mana aumentar depois do teste mal sucedido de suas habilidades. — Problema com o jogador, mesmo — e riu de sua própria desgraça, andando até o garoto. — Prazer, Anarky — apresentou-se, estendendo a mão direita e olhando para o lado, mais precisamente para a cidade atrás do recém-conhecido. — E aí, é legal? Tem alguma coisa interessante? Os NPCs são locos?

— thanks, ♛ and gabs!

Normalmente riria da situação, porém logo que o mascarado se pronunciou a respeito do que ainda pouco havia feito, o cyborg bateu com a palma da canhota contra a testa. Era isso que faltava... Damn. Realmente coisas óbvias sempre lhe passavam despercebidas. Como é que faz? É só pensar nisso? Sequer demonstrava qualquer sinal de preocupação ou intimidação ao ter a presença de mais alguém por ali, principalmente alguém que se mostrou bem mais competente naquela plataforma. Projetou o braço direito em frente ao corpo de forma que formasse um ângulo de noventa graus. Notava alguns detalhes azulados se acentuarem em certos pontos do canhão, pouco antes de um aviso amarelo surgir em sua visão biônica: /CMD::456.

No instante seguinte, um clarão branco se formou na ponta do aparato, e logo um projétil de energia na mesma coloração percorreu cerca de cinco metros antes de se dissipar. Eita porra! Sentiu a parte esquerda de seu corpo recuar, talvez devido à intensidade de tal habilidade. — Pelo visto você não é o único com problemas aqui. – Riu brevemente antes de virar-se novamente rumo ao mascarado. — Flay. – limitou-se a tal apresentação no momento em que o cumprimentou.

— Então você também não viu nenhum NPC? – Franziu o cenho para que em seguida observasse o mapa com mais detalhamento. — Eu não achei nada por aqui ainda, só que aquela espécie de bifurcação pode ser algo. Ou só uma parte não finalizada do mapa. – Completou em pensamento.

Caminhou um pouco mais na direção leste, desta vez se familiarizando com sua postura. Arriscou um pulo ou dois, a fim de entender a altura que conseguia atingir. Nada mal... A caminhada não demorou muito, uma vez que logo o loiro já se encontrava em frente à bifurcação que havia notado minutos antes. — Ah, acho que deve ser... – murmurava mais para si, sem nenhum desejo de que Anarky pudesse ouvi-lo. Que comando mais escroto, por que eu criei isso mesmo? /p_invite::Anarky. Pronto? Franzia o cenho devido a tamanha confusão com o que ela mesma havia criado para Flay — Caso queira se juntar, aqui esta o convite. Deve linkar a experiência ou... Algo do tipo. – então o cyborg deu de ombros e adentrou tal bifurcação, notando o ambiente sumir, e vários pixels surgirem ao seu redor.

O convite para um grupo surgira em sua tela e, por alguns segundos depois que Flay havia sumido, ficou encarando o anúncio sem saber muito bem como fazer. Meio sem querer, acabou tentando tocar no negócio, assim como entrar nele, até atacando-o com raios; nada, contudo, foi muito efetivo. Então, suspirou fundo e apenas pensou "ok, quero entrar na party, o jogo é que não quer".

E, bom, foi imediatamente desejar que os status de Flay apareceram no lado esquerdo da tela, reduzidos para não interferir na interface. Sorrindo, seguiu pela bifurcação e esperou até o mundo ao seu redor se desfazer para adentrar um novo mapa.


Maneiro, foi seu primeiro pensamento. Algo parecido com uma formação rochosa, pontilhada de pedregulhos, erguia-se ao seu lado, numa altura suficientemente íngreme para não ter certeza se conseguiria chegar do outro lado.

— Estou impressionado com os gráficos — comentou meio aleatoriamente, só anotando mentalmente um elogio a se fazer aos Criadores. — De verdade. Acho que vou estranhar voltar a ser eu quando tiver que deslogar.

Foi então que recordou-se das asas. Abrindo-as, as penas negras bateram no ar uma, duas vezes, até adquirir uma altura razoável, conseguindo ter um panorama geral do local. A paisagem não mudava muito, permanecendo sob o mesmo aspecto árido até onde conseguia enxergar.

— Tem um riacho mais a frente — comentou, pousando do lado de Flay com certa habilidade para uma primeira vez. Então, fechou as asas e riu de leve. — Cara, voar é muito legal. — Querendo permanecer a apenas alguns centímetros do chão, pensou na sensação que tivera há pouco e, logo, começou a flutuar muito sutilmente, com uma distância de uns dez centímetros do solo. — Nunca mais uso meus pés para andar na minha vida, velho.

— thanks, ♛ and gabs!

Era simplesmente incrível. Os olhos do loiro percorriam a vasta extensão de toda aquela região rochosa. A bifurcação de outrora os fizeram nascer na base de uma das montanhas, levando Flay a crer que qualquer passo errado e pronto, estariam caindo montanha abaixo. Um pouco mais ao lado havia algo semelhante a um abismo, porém seu subconsciente lhe fazia pensar duas vezes antes de explorar aquele lado do mapa. — Hm? – murmurou distraído após a menção dos gráficos, seguindo de uma afirmação após recobrar os sentidos. — Não vai ser só você. Apesar de eu sentir falta do meu corpo, esse lugar me parece bem mais legal. – disse ao franzir os lábios.
O que veio a seguir lhe deixou extremamente curioso, para não dizer assustado. Ué, é um macaco alado agora? Arregalou os olhos no instante que Anarky alçou vôo. Eu tenho um sistema biônico de ultima linha e esqueço de acrescentar a capacidade de vôo? Eu sou um gênio. O que fazia aquela situação de tornar mais irônica ainda só se daria pelo fato de seu próprio nome ser a derivação de Fly. Nota mental: Arranjar uma habilidade de planar. Aguardou um pouco até que o mascarado estivesse no chão novamente, e assim que o fez, tratou de repassar superficialmente tudo o que visualizou do mapa com a visão aérea.

— Um riacho, huh? – assimilava tudo o máximo com o máximo de detalhamento possível, observando que logo mais um pequeno mapeamento aparecia no canto inferior direito de onde seu campo de visão batia. E fica cada vez melhor... Riu internamente. — O QUE É AQUILO ALI?! – gritou alarmado ao deparar-se com uma espécie de javali, este que já corria ferozmente em sua direção, e certamente não seria pra um abraço.

A mira avermelhada logo se fez presente junto de um grande alerta de TARGET FOUND: BO’AR logo abaixo da mesma. Ergueu o braço direito e uma esfera branca de energia, bem menor que o comando anterior, percorreu um breve caminho antes de se chocar com o pequeno – nem tão pequeno – animal. — Que do caralho! Eu sou tipo um megaman, só que menos boiolinha. – Afastava-se o máximo possível do javali, acertando mais duas esferas até que uma série de pixels envolveram a fera e morreu até que a mesma sumisse. — Ainda intacto. – Comentou satisfeito a medida que notava sua barra de energia ser regenerando aos poucos. — Anarky... Atrás de você. – Apesar de seu canhão estar carregado, estava mais interessado em observar as habilidades do mais alto, tratando de afastar-se aos pulos, antes de voltar a procurar por algum sinal de mais alvos naquela região.

O primeiro contato com os mobs ter sido junto de Flay provavelmente fez Anarky acalmar-se um pouco. Enquanto o garoto disparava ataques com sua luva robótica, um círculo ao redor do Bo'ar indicou que ele era um alvo selecionado, mesmo que não estivesse golpeando-o. O javali não era dos mais inteligentes, e o combate acabou por se mostrar um bom teste.

Foi então que o aviso viera, e Anarky imediatamente girara 180º nos calcanhares para fitar o que quer que houvesse feito Flay exclamar.

— Certo, minha vez — pensou, focando-se no alvo, que parecia um tipo de rocha móvel com asinhas. Ao que o animal se aproximou mais, sua espécie foi revelada.


Com suas asas negras, deu um pequeno voo pra trás, lançando raios de energia azul pela mão, atingindo-o no peito, mas sem demonstrar danos maiores. As duas patas do que parecia um louva-deus eram na verdade grandes lâminas, com que o inimigo investiu ao erguê-las e abaixá-las sobre os pés de Anarky, que por sua vez girou para o lado e desviou meio sem jeito.

O que é que o Coração faz, mesmo?, questionou-se, tentando buscar no layout da interface golpes especiais. Encontrou uma espécie de magia na parte inferior, que tinha a imagem de uma espada; quando esse ícone acendeu, uma lâmina bastarda de um metro formou-se em sua mão direita, constituída apenas por energia atlante.


Usufruindo-se da sua mais nova arma, correu em direção a ele e, no último momento, pulou mais alto do que as garras o alcançariam, dando uma cambalhota no ar com o auxílio de suas asas e fincando a espada na carapaça do animal - por sua vez, esse teve a decência de desfazer-se em pixels.

— Aí, deu certo — e virou, olhando para Flay com um sorriso no rosto, que contudo estava coberto pela máscara. Sua animação era evidente. — Não faço ideia de como eu fiz, mas acho que o programa meio que te coloca na pele do personagem, tipo, até com o manuseio de armas e tal — e testou mais uns dois ou três golpes com a lâmina de energia no ar. — Legal. Aliás, mó maneira essa luva. Como funciona?

— thanks, ♛ and gabs!

Ver sua desenvoltura em batalha apenas deixou-o mais aliviado. O cyborg observava com o máximo de atenção possível ao ter seus braços cruzados em frente ao peitoral. — Bom, algo que eu posso dizer é que você se saiu muito bem contra esse... – Fez uma pausa nos dizeres apenas para recordar o nome do mob, antes de guiar o olhar ao mascarado novamente — Inseect. – tentou um sorriso, muito embora não fosse lá tão bom em esboçar qualquer expressão que fosse.

Aquela havia sido uma ótima pergunta, e apesar de Flay não saber muito bem como respondê-la, era mais do que justo que o fizesse. — Essa luva meio que funciona com base na minha energia. Digo, sabe todo aquele lance de “energia não acaba nem morre, apenas se modifica”? – fazia aspas com a mão, enquanto buscava meios de completar o raciocínio. — É tipo isso. Eu sou capaz de expelir e absorver energia de todas as formas. Se tiver uma boa quantia armazenada o dano cresce e por aí vai... A luva é só um meio de externar o poder, assim por dizer. – e novamente deu de ombros, acertando cerca de outros dois Bo’ars que estavam um pouco mais ao longe.

Não sabia muito bem o que fazer, principalmente quando não havia nenhum sinal de vida por aquela região, nenhum NPC e muito menos outros players se não ambos. — Você não acha isso estranho? Digo, nenhum NPC por aqui. Deveria ter alguma quest em algum lugar. Algo legal pra se fazer. – não que estar ali já não fosse algo excitante, porém já começava a ser um tanto quanto monótono. — Esse cristal é o que faz tudo funcionar, Anarky? – indagou devidamente curioso, um vez sentado numa das várias rochas presentes no local.